Ex-Beatles e casamento coletivo com Madonna salvam o Grammy


Uma canção novinha em folha de Paul McCartney, cantada por ele e com Ringo Starr na bateria. Foi um bálsamo o tributo aos Beatles na noite dos Grammys, no Staples Center de Los Angeles na madrugada deste domingo. Até o último momento mantiveram o suspense: todo mundo tinha dúvidas se eles se juntariam (pela primeira vez em 4 anos). Mas aí surgiu a glamourosa Julia Roberts, e só podia ser boa notícia.

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Foi a cereja do bolo: Paul e Ringo apareceram enfim juntos, e iniciaram Queenie Eye (uma canção que tem uma pegada de Magical Mistery Tour, mas ao mesmo tempo uma modernidade típica da banda estradeira de Paul). Em geral, a cozinha da banda de Paul tem apenas Abe Laboriel Jr., que é bom mas tem mão pesada. A batida de Ringo (ao lado de Laboriel) devolveu certo relevo à musicalidade do grupo.

 E o mais legal foi ver Yoko Ono e Sean Lennon dançando desencanadamente ao fundo, uma utopia beatlemaníaca.

Com apenas um disco na carreira, The Heist, o duo Macklemore & Ryan Lewis, de Seattle, confirmou seu incomum favoritismo e se tornou o principal premiado da categoria rap, com três prêmios. Havia dúvida até se poderia realmente competir na categoria rap. Mas acabaram batendo gigantes como Jay Z, Lamar e Kanye West. Além de tudo, levaram o prêmio de revelação.

A vitória acachapante da dupla encheu as redes sociais de controvérsia e acendeu a fúria dos "haters", que os compararam ao duo Milli Vanilli, dos anos 1980 (considerado uma fraude porque somente simulava cantar em discos).

Paul McCartney subiu ao palco com David Grohl, Krist Novoselic e Pat Smear para receber o prêmio de Melhor Canção de Rock por Cut Me Some Slack. Competiam com ninguém menos que Stones e Black Sabbath, a quem fizeram reverência.

Beatles, Stones, Led Zeppelin, Black Sabbath: o passado marcou presença fortemente na premiação, com a vitória do Led Zeppelin como melhor disco de rock e o Black Sabbath se destacando como a melhor performance de hard rock. O Vampire Weekend levou o de música alternativa.

O Daft Punk confirmou o favoritismo na seara eletrônica. A dupla francesa foi à cerimônia com seus capacetes, que ocultam suas identidades. Ao receberem o prêmio, foi o rapper Pharrell quem falou por eles. Mas fizeram um bailão no final, em Get Lucky, com uma apresentação com Stevie Wonder, Nile Rodgers e Pharrell.

Os Beatles e o Daft Punk salvaram a noite. Em geral opacas e ensaiadinhas demais, as apresentações da noite tiveram um certo gosto de American Idol. Astros emergentes como Hunter Hayes ou decadentes como Pink não seguram a onda, nem com produções grandiosas – Hayes cantou o seu novo single, Invisible; Pink veio de Cirque du Soleil, pendurada e fazendo acrobacias em uma canção já batida, Try.
Taylor Swift acentuou o clima de reality show, com sua performance em All Too Well, um tanto soporífera. Já John Legend fez ao piano uma apresentação delicada cantando All of Me. Ringo e sua All Starr Band vieram a seguir com Photograph, com exibição de fotos dos Fab Four no telão. Parecia tudo que haveria de Beatles, mas logo veríamos que havia coisa melhor.

A apresentação da banda Imagine Dragons (todos de branco, como se fizessem parte da seita Racional) e do rapper Kendrick Lamar num mash up de Radioactive/M.A.A.D. City chegou a entusiasmar parte da plateia, que se levantou para dançar. Escoltada por caubóis cheios de lâmpadas, a country girl Kacey Musgraves não chega aos pés de suas antecessoras, como Lucinda Willilams. Beyoncé e Jay Z abriram a noite Drunk in Love. Ela surgiu em cena em um clima de Cotton Club, de cabaré enfumaçado, dançando em uma cadeira giratória, com um maiô mais ousado que de costume. Jay Z entrou no final, de black-tie. Ele concorria a nove Grammy, mas ganhou apenas um.

O momento sinfônico do Metallica, ao lado do pianista chinês Lang Lang, em One, deu o sabor híbrido que os outros encontros da noite não possibilitaram. Muitos fãs acharam que Lang Lang arruinou a melhor parte da canção, mas o fato é que todo o arranjo foi diferente, e o clima dramático ficou acentuado com o concertista. Sem perder o peso.

Mais estranha foi a união de Miranda Lambert e Billy Joe Armstrong, do Green Day, na homenagem a Phil Everly, dos Everly Brothers, morto no ano passado (foi logo após a homenagem aos desaparecidos do ano, contagem que incluiu Lou Reed e Ray Manzarek). Ficou estranho, meio forçado, o dueto.

Ao final, a consagração do Daft Punk com Álbum do Ano, por Random Access Memories, representou um toque de confiança no futuro da música. Um álbum generoso, como foi destacado, por unir o visionarismo da música futurista ao conceito de colaboração. Um ato de ousadia artística: ganharam prêmios, mas não abriram a boca, não abriram mão da identidade "secreta", da despersonalização do triunfo. Abraçaram-se longamente com afeto, apesar dos capacetes frios e dos uniformes brancos de distopia retrô. Receberam o troféu das mãos de Yoko Ono, outra performática das antigas, e ela não estranhou quando ergueram o troféu acima das cabeças, como num rito antigo de filme de Kubrick. Curiosos paradoxos o Daft Punk impôs à indústria.

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